Antes de tudo, a vida deu um salto. Pegou da bandeja um pedaço de pão, a tristeza do café da manhã e, quando virou outono, foi vento. E eu fiquei no meio da sala sem saber o que recolher. Se eram os pedaços de porcelana branca ou a pétala de flor intacta na ponta do tapete; se era a semente da maçã ou o cartão que eu tinha me proposto a ler mais uma vez até ter certeza de que o amor tinha acabado mesmo; se era a foto do meu filho vestido de super-herói ou se era o pedaço de papel com oração de São Sebastião que eu botei fé que me salvaria.

No entanto, a vida tinha vindo com tanta presença e tempestade, que havia restado apenas eu mesma no meio do reboliço. Nem um pássaro cantava lá fora. Nem a buzina de um trabalhador atrasado. Nem o cheiro de mato molhado da chuva de ontem. A vizinha resolvera não calçar o seu barulhento salto. A criança resolvera entrar na escola sem chorar. E eu não tinha vela nem para acender ao santo. Já tinha entendido: era o mundo emudecido para a minha solidão.

Não tinha jeito, eu teria de ter coragem de ouvir meu próprio choro e sair recolhendo o que restava da bandeja. Era sonho de verdade! Eram quadradinhos de um mosaico que eu desenhara todas as noites, eram estrelas de felicidade que eu havia acendido dentro de mim durante todos esses meses, eram fotos de viagens que nunca foram registradas, mas que seriam o futuro do nosso cansaço.

É isso que a vida faz com a ilusão afinal?
É.
Leva a ilusão com um beijo de Iansã e nos deixa plantadas na sala de um apartamento vazio, apenas com a coragem para recomeçar.

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