Luana

Ao meu filho, com beijo e cerejeira

Luana era uma menina que morava num palácio.
Depois que seu avô fora tragado pelo cachimbo,
a menina deu para gostar de solidão.
Fosse a data que fosse,
comemorativa ou não,
Luana sequer cruzava a esquina que havia depois da curva em caracol que vinha depois da porta principal do castelo.

Festa nenhuma Luana ia.
Seu vestido favorito não era vestido, era pijama.
Dormia o tempo necessário para ver seu avô nos sonhos que tinha.
E, como toda gente que há no mundo, Luana sonhava...

Sonhava com seu avô, a fumaça e o cachimbo.
Sonhava com colares de vagalumes vivos.
Sonhava que inventavam um novo tipo de bebida de inverno feita de café, canela e entardeceres.
Sonhava que a bebida só ficava boa sob os olhos bonitos do moço bonito que trazia o jornal.
Sonhava o mais que podia pro dia não vir sem graça sem seu avô.

Um dia, pela janela, Luana viu crescer uma cerejeira bem na porta do palácio que vem antes da curva em caracol que vem antes da esquina.
E resolveu pisar na terra.
Deu dois passos e tocou a árvore.
Sentiu palpitação e uma lanterna na garganta.
Era a luz do dia entrando no seu coração ou a lâmpada do destino que viria dali pra frente no poema?
Deu uma volta no espaço e acordou escarlate.
Carmim, coral, groselha, seja lá que sinônimos dão para o vermelho,
Luana tinha sido tingida de cereja!

Tonta da volta que dera, Luana não leu o que no tronco da árvore estava escrito:
"Troca-se a liberdade dos ventos que ventam nesta cerejeira pela lembrança de uma pessoa querida."
Era uma árvore solitária de gente.
Tanta cereja para pouca lembrança.
O que vale o vermelho sem a vida de alguém que valha o vermelho da vida?
Deu para Luana a cor e a liberdade e uma certa quantidade de perguntas,
"Quem não tem perguntas não vai muito além da curva em caracol", já dizia seu avô.

E a árvore ganhou da menina a pessoa querida, a fumaça e o cachimbo;
de companhia, às vezes, a brisa, a chuva, o luar.
A menina da árvore ganhou o vermelho da vida;
de companhia, um amor, uma dor e umas festas.

Do que vale um palácio senão de um amor para doer e dançar no salão?


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