A mulher que dançava Jonga

A tática de inventar que se sabe qualquer coisa nesta vida sempre dá certo. Se, claro, ninguém realmente souber essa coisa. Lembrei-me dessa minha tese quase esquecida e empoeirada enquanto lia com meu 8º ano um conto do qual eu quase também tinha me esquecido de que gostava: "O homem que sabia javanês", do Lima Barreto.

Para quem não leu, essa prosa é muita da boa e narra a história, contada pelo próprio narrador-personagem, de um homem que, sem um tostão no bolso, se interessa por um anúncio de jornal no qual alguém procura um professor de javanês. O narrador então decide aprender o alfabeto dos habitantes da Ilha de Java a todo custo a fim de se passar por um excepcional e peculiar professor de javanês, incluindo nessa conversa fiada até a posse de surpreendente conhecimento dos maiores expoentes da literatura javanesa. 

Enfim, o conto é ótimo e me fez recordar duas grandes peças à la Lima Barreto que já preguei por aí. 

Na verdade, comecei bem cedo na profissão inventiva dos saberes que nunca tive. Lá no tempo do quando a tia Wanda vinha pegar a gente para levar à escola, eu já me fazia uma menina incrível para matemática, com uma memória de mil gigas, capaz de resolver qualquer multiplicação de cabeça. Em menos de dois minutos eu tinha a resposta para qualquer problema matemático que os meninos do ônibus escolar da tia Wanda me propunham. Ou pelo menos: fingia que os tinha.

- Rodrigo, manda uma conta ai preu resolver! Mas com números altos, que eu gosto de desafios!

Então o Catão, como era o sobrenome e apelido do meu colega de ônibus escolar, soltava números aleatórios:

- Hum... Quanto é 5.480 vezes 89.567?

E vejam, vocês, que já nos meus tenros sete anos de idade, Lima Barreto já se manifestara em mim e eu, num ímpeto, dizia:

- Ah, mas essa aí é muito fácil! Isso daí dá 345.789!

E a cara de embasbacados da turma toda era impagável! Já que ninguém sabia mesmo o resultado daquelas  contas para dizer que eu não sabia, todos ficavam admirados, e a vogal "ó" soava prolongada assim como meu sorriso sacana. Só a tia Wanda que sabia de tudo, mas não se metia a desfazer aquela farsa toda. Se divertia a cada conta que eu resolvia, como se protegesse a alegria do trajeto até nossos lares. Era um barato!

E não pensem que parei com a arte de inventar saberes depois que aprendi o resultado da conta não. Na minha primeira entrevista de emprego, não vacilei. Eu precisava ter experiência em qualquer coisa para ser contratada. E quando digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo. Então, com tom de voz seguro da minha mentira, surpreendi: 

- Sou professora de Jonga - uma dança africana.

Uma dança africana que deveras nada deveras tem. Pois nunca existiu, meus caros.

Comentários

Julia disse…
Seu blog é fantástico! Amo, amo, amo aqui! Nunca pare de escrever! Um beijo ♥

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