Retorno à esquerda



Estacione o ciúme na calçada; se tiver lugar, envelheça-o no espaço demarcado para idoso.
Sempre tem vaga para o seu o cansaço na esquina.
Eu continuo morando no quadro de formatura daquela sala do nosso primeiro bolero: à esquerda do manual de mulheres felizes e famosas e realizadas.
Não precisa bater quando chegar. Entre.
Largue a camisa no sofá, as palavras de ontem perto do telefone e não atenda sem antes fechar as cortinas para as lembranças daquela tarde de maio em que a gente tomava sol.
Vá metendo a mão no bolso e tirando as moedas, o recado de alguém, a chave dos lugares e das mulheres amanhecidos; a bala lavada, vencida, torcida, enxugada... E continue caminhando.
Vá deixando pelo corredor a sua raiva e preconceito por eu ter engravidado de quem não amei.
Vá arrumando uma desculpa para entrar no quarto e ter lembrado um verso de Neruda.
Esqueça de voltar para verificar se a porta está fechada, os vizinhos sabem que você esquece.
Não esquente a cabeça se não souber quem foi Cienfuegos. Invente que sou filha de um outro qualquer general cubano.
Então diminua os passos e faça mais silêncio que pé-descalço.
Empurre a porta sem medo de perder o medo de permanecer.
Entre mais uma vez na minha vida com seus charutos e vinhos.
Traga o vídeo do último show da sua banda e coragem para tocar nossa Revolução!

Comentários

'' Empurre a porta sem medo de perder o medo de permanecer.''

tão eu... lindo demais Fê!!...
Anônimo disse…
tocante e certeiro como uma carapulsa que serve a qualquer hora, admirei da primeira a ultima palavra e evitei ao máximo me identificar com o comparsa. Mas ficou tão belo, que deu até vergonha de ler três vezes seguidas.

Depois me fez refletir calado.

:)

Beijos
ana paulino disse…
eu achei tocante!! emocionei!bjos
ana paulino disse…
eu achei tocante!! emocionei!bjos

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