Em que pensa uma mulher enquanto prega um botão?

O amor que poderia ter sido e não foi, na verdade, está sendo para sempre. Quando chove, dói mais. Quando faz sol dói mesmo é a saudade da chuva que desaguou no dia mais doído de toda vida: a tarde em que ela chegou tarde para sol dos olhos dele. A tarde que desabou um céu de lágrimas que já sabia de tudo: ela bordaria seu caminhar na estrada de um amor que não seria mais que um olhar para os pingos de seu atraso.  

Tem lá suas dores o céu para ser triste? 
Para ser azul? 
Para ser fim de tarde? 
Para ser tarde demais
azul? 

A mulher que prega botão desabotoa sua vida. Nada que um homem pense sobre ela alcança o que ela pensa sobre ela. Em seus devaneios ela ainda espera avistar ao longe uma certa proa tocar um certo cais da alma dela. Como sabe sofrer com ternura! Não se desespera;  entende que traje delicado leva tempo de costura e vai-e-vens de descosturar. 

A mulher que passa o dia inteiro pregando botões, vai entre tantas Amélias dar uma volta num amor que escapou, que não foi abotoado enquanto se tinha linha e tempo e tecido para aquecer o corpo da multidão. 

Amor que não passa, nos sonhos de mulher, cobre o mundo de beleza. Bota pra girar o universo, causa reboliços de inveja à constelação de Órion. E ninguém suspeita, nem o homem com quem se deita, que  Amélia é mulher de verdade por outro motivo: motivo de amor que deveria ter sido, que não foi e que, por isso mesmo, ainda é.

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