Três minutos e trinta e sete segundos

Ele a trouxe para perto do seu corpo como quem alimenta pássaros num fim de tarde.  A música era lenta o suficiente para caber numa carta de amor, e para o sorriso tímido da moça, ele havia aprendido a escrever poesia sem palavras, a ponto de com seus pés e mãos compor  uma declaração de pertencimento eterno. Ele era dela durante três minutos e trinte e sete segundos. E a dança se iniciava. 

Ele demorava para conduzi-la ao primeiro giro de medo que tinha de que ela pudesse nunca mais voltar. Então, próximos um do outro, eles permaneciam por mais tempo que a canção permitia. Dançavam uma melancolia com coragem de sorrir. Sorriam um para o outro sem que um e outro pudessem se ver. Eles sabiam que sorriam do outro lado, em todos os lados do salão.

Quase não querendo soltá-la, ele às vezes permitia que ela rodasse sua saia e tornasse a vida um arco de delicadeza. Ela girava tão lentamente que por um segundo ele imaginava estar andando de bicicleta com ela, de mãos dadas, num parque pela manhã. 

Quando ela voltava para os seus braços, ah, ele percebia o quanto era bom deixá-la girar para que na volta, com o olhar e as mãos a procura dos seus traços, ela fosse mais dele ainda. Eles tornavam então a passear pelo salão em suas bicicletas inventadas. Os dois no mesmo ritmo, no mesmo caminho sem volta, na mesma música, na mesma declaração de amor.

E quando a música estava para acabar, ele criava um plano mirabolante: recitava os últimos versos da canção no ouvido dela para que a melodia desistisse de terminar.

Comentários

Unknown disse…
OLAH,gostei muito do que escreves, vou ficar sempre de olho por aqui. Dá uma passadinha no meu clickpatty.blogspot.com e euamorevista.blogspot.com

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