O menino e seu cavalo

Numa viagem que fiz ano passado rumo a uma cidadezinha do interior de São Paulo a fim de comprar roupas de neném para o meu filho, que na época ainda chutava minha barriga de dentro dela e não de fora dela como ele anda fazendo agora, na estrada avistei um menino com seu cavalo. E não sei por que muitas das vezes em que me pus a escrever, essa imagem me veio à cabeça. Porém sem palavra alguma que lhe acompanhasse ou me desse um norte para que dela eu extraísse o que nela há e nela me intriga. Tinha alguma coisa naquela cena, menino de trejeito interiorano e seu cavalo, que martelou alguns pregos na minha cabeça desde daquele dia e que eu não soube e nem sei se conseguirei traduzir agora. Vou tentar.

Antes de dormir, tenho o hábito de fazer minha oração dum jeito meio maluco mas meu que é o de visualizar Jesus caminhando ao meu lado e ao lado das pessoas que amo. Nesse meu jeito fotográfico de fazer orações, não costumo botar palavra, até porque lido com palavras o dia todo, e não seria justo comigo nem com Deus que elas estivessem entre nós também. E o que anda acontecendo desde essa viagem ao interior é que muitas das vezes em que me ponho a orar o menino e seu cavalo aparecem no espaço do horizonte no qual converso com Deus. E eu fico tentando entender o que ao certo a vida quer me dizer com esse menino e seu cavalo, ou o que Deus quer me dizer sobre a vida de um menino e seu cavalo. E, talvez, hoje eu tenha conseguido entender um pouco do enigma.

Acho eu que na estrada dos nossos caminhos, a vida sem pressa, nos faz um convite. Ela diz: Olha! E a gente, tão cheio de pressa para o final do trajeto, não vê coisa alguma, ou quando vê acha que devia ver mais do que realmente existe. A gente talvez tenha uma certa mania de traduzir tudo, de transformar o mundo em algo que possa estar dentro duma órbita controlada por nós, e que no meu caso significa "possibilidade de texto". Mas, talvez, a verdade daquele menino e de seu cavalo seja intraduzível,  insubstituível. Seja a palavra que nunca alcançará o significado de algo porque este algo simplesmente não precisa de significados, saca? Pois este algo é.

Como posso ser mais clara? Vejamos. Não posso. É simples justamente por ser complexo. E é complexo justamente por ser simples. O menino e seu cavalo estavam na estrada do meu caminho, eu vi, e vi com olhos de quem vê, não de quem cria, não de quem fantasia, ou de quem a partir dali passa a descrever uma outra vida para o menino e seu cavalo. A vida me fez o convite. Eu aceitei. Olhei. E pronto. Não há o que dizer sobre porque há muito a se dizer sobre.

Paradoxos da realidade...

Para tentar deixar o que quero explicar mais palpável, posso tentar dizer talvez que a palavra mais próxima do que sinto lembrando o menino e seu cavalo seja "humildade". Não a humildade deles, mas a minha perante eles, perante a capacidade que eles tiveram de me colocar no lugar de quem agora sabe que, em alguns momentos da vida, as palavras devem se recolher e deixar o cotidiano ser com toda a sua força: real.

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