À procura do menor

Ao filho

No primeiro mês, quando eu soube que você viria para somar, eu era, por incrível que pareça, muito maior do que sou agora. Naquele dia em que vi o par de linhas do exame de gravidez que traduzidas diziam que uma delas era você dentro de mim e que outra era eu com você dentro, eu comecei a diminuir. Eu fui diminuindo primeiro o impacto da notícia para não deixar você saber que eu estava desesperada aqui fora. Depois eu fui ligando o carro com menos pressa e ansiedade - eu precisava agora chegar bem em qualquer lugar que eu chegasse, pois a partir dali eu sabia que nós estaríamos juntos em todas as avenidas da vida. 

Eu passava a ser capaz de entender a função do farol amarelo, pelo qual antes eu atravessava rápido e a quem naquele instante eu já não ousava desafiar. Eu passava a estacionar o carro com a mesma atenção com a qual estaciono agora a minha mão sobre a barriga e sorrio para você. Eu estava, a partir daquele dia, acalmando uma Fernanda dentro de mim, filho, para que você crescesse para o mundo na mesma dimensão em que eu pretendia descobrir uma cidadezinha no interior. 

Eu começava a me inspirar no que era pequeno porque você passava a ser naquele janeiro o menor de todos os seres que eu amava e, ao mesmo tempo, o maior pedaço do amor de uma mulher que divide o amor com poucos. Você era o menor e o maior dentro de mim. E eu passava ali a desconfiar dos rumos que a gente se acostuma a dar na vida, das buscas em torno de tesouros enterrados e vencidos. Começava a perceber que a humanidade e eu estávamos caminhando para o lugar errado e que era exatamente por isso que os passos de toda a gente encontravam mais pedras que nuvens nos caminhos.

Naquele dia, filho, eu havia chegado em casa e entendido tudo. Você havia aparecido aqui no meu ventre para me mostrar que eu estava procurando a felicidade no lugar errado, que eu estava querendo crescer para fora sem abrir a janela de todas as manhãs, que eu estava buscando entender tudo do mundo sem botar a mão na terra e ver que de grãos pequenos são feitas as bases da vida. E ai, filho, a partir de um mês de gestação, eu fui encolhendo. E durante esses nove meses, eu só fiz encolher e você só fez crescer outra Fernanda dentro de mim. 

Você foi reduzindo as minhas palavras ao silêncio necessário e divino. Você foi ensurdecendo meus ouvidos das minhas próprias formas de escutar o mundo exterior. Você foi me fazendo perceber o som de uma palavra para que eu não julgasse o verso tão ruim assim. Você baixou o volume exaltado da minha voz. Você me mostrou que não há nada mais gostoso na vida do que comer brigadeiro admirando um sapatinho seu. Você retirou meus discursos demorados sobre qualquer fato político, porque mais importante do que mudar o mundo ou estar certa em qualquer discussão seria agora estar no lugar certo do mundo com você. Então, filho, eu fui me tornando tartaruga e preferindo perder para os coelhos. Eu fui andando devagar e encolhendo a cabeça para dentro do casco. Eu fui envelhecendo para os dias felizes dos meus oito anos. Eu fui jogando fora o que ocupava espaço demais e não tornava o mundo melhor. Eu comecei a buscar o caminho de volta. Eu passei a me interessar pelas formigas mais que pelos homens, pela pequena semelhança entre dois filósofos do que pelas enormes distancias entre eles, pelo detalhe do botão que pelo vestido completo, pelo finalzinho do sorvete, pelo cheiro de todas as suas roupinhas...

Você, filho, em nove meses me mostrou que a gente é melhor quando é menor e que o segredo do mundo não está em nenhum lugar no qual precisamos levantar o pescoço, mas naquele ponto de linha ali que aquela senhora costura de cabeça baixa numa cadeira de balanço...

p.s.: Provavelmente eu só apareça por aqui depois do Pablo nascer.

Comentários

Que coisa linda! Amei a parte "Você me mostrou que não há nada mais gostoso na vida do que comer brigadeiro admirando um sapatinho seu"
Catarina Soares disse…
Ai que vontade de amassar você e o Pablo..Não vejo a hora, dele chegar..
Anônimo disse…
Fê, que lindo! O Pablo é um menino de muita sorte, pois tem uma mãe bonita, inteligente e amorosa. Certamente, ele será muito feliz.
Fiquem com Deus!
Beijos!

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