Origem da minha melancolia

Eu não sei qual foi o momento do meu passado em que eu senti o que viria a ser a minha eterna característica de vida. Será que eu já nasci com essa aptidão para a melancolia de janela dum ônibus? Ou peguei por aí de alguém que perdeu um amor e suas dores enquanto encostava a cabeça no vidro e sonhava que ele pudesse voltar? Eu não sei exatamente em que parte ela se mostrou presente, saltou para fora dos outros e entrou em mim. Suspeito que o seu primeiro sinal tenha vindo através de um sorvete lá quando eu tinha meus quinze anos e nem acreditava em homem bonito sem ser o moço da novela. Eu voltava da sorveteria, com meu sorvete na mão, ainda com roupa de menina distraída no corpo, sem muitos laços, delicadezas, preocupações. Eu ria como se pudesse ser feliz a vida toda. E naquele instante eu era. O mundo se resumia em ir à sorveteria sorrindo, voltar falando sobre qualquer coisa e não reparar em nada no percurso que não fosse um cachorro perdido ou um bicho gosmento no chão. Mas teve um dia em que o passeio à sorveteria veio me falar que eu seria melancólica a partir de então. É que eu vi, com os olhos de quem repara no moço bonito da novela, o rapaz que me observava sorrindo. Ele sorriu para mim para que eu sorrisse para ele naquele instante e descobrisse as consequências desse sentimento que vem junto com sorrisos e olhares. E eu tive desde então consciência de que eu sentia uma coisa diferente das outras pessoas que são felizes porque têm um amor. Eu descobri que eu seria eternamente uma insatisfeita do real, uma gananciosa da fantasia. A vida real desde então poderia alcançar a perfeição sem me tocar como aquilo que o trajeto das minhas ilusões conseguiria conquistar em poucos minutos.

Devo ter nascido para buscar o mundo no que ele não tem, para ser feliz dentro do espaço de tempo que me leve em algum lugar através dum ônibus, encostada numa das suas janelas. Já devo ter nascido com o gene da melancolia dos trajetos e espero que eu não possa transmiti-lo a ninguém. Mas se eu puder, é só vocês evitarem encostarem suas cabeças nos mesmos lugares em que coloco a minha. Infelizmente meu vício de sonhar não tem remédio nem vontade de certezas que curem.

Comentários

Stive Ferreira disse…
Oi moça!
Acho que eu tenho esse gene também, hehehe...

Beijos.
Anônimo disse…
Ai... ai... e não é que eu também sou (era) assim! A idade foi chegando e percebi que eu precisava me adaptar, pois a vida não nos dá mesmo tudo o que nós esperamos dela.
Beijos.
ana disse…
Fer, eu tenho isso tbn!tão chato ter isso...beijos
Catarina Soares disse…
Você acabou de me descrever. Fim !
Eu amo esse seu lugar.. ♥

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