A história das minhas caminhadas


Caminhei até diversos pontos de ônibus para chegar a diferentes pontos que não sabiam de mim. Caminhei um pouco mais que três quilômetros quando a tia Vanda esqueceu a gente na escola. Caminhei por dentro do Palácio dos Bandeirantes, entre os funcionários da gráfica, o rapaz do misto-quente e os governadores de São Paulo. Caminhei rápido quando vi que um louco mais rápido me seguia. Caminhei até a padaria do seu Daniel todas as manhãs durante quase dez anos para comprar pão por dez centavos. Caminhei para voltar ao ponto em que me perdi. Caminhei para tentar me perder. Caminhei dum parque no centro do bairro em que morei até a escola que passei a estudar, segurando na mão do meu irmão e lembrando um amor que poderia vir. Caminhei pela Guilherme Giorgi, onde, antes de continuar a caminhada, eu parava, olhava pro resto da subida, tomava um copo de caldo-de-cana e um gole de coragem. Caminhei na esteira de uma academia por um dia para nunca mais caminhar um dia numa esteira de uma academia. Caminhei no centro da cidade, atenta aos meus medos e dispersa para tanta gente, graça, pressa, fome, lojas, preços, história. Caminhei entre os andares e números e papéis dum prédio na Rangel Pestana. Caminhei para chegar primeiro que o ônibus que não chegava nunca. Caminhei de ponta a ponta das praias em formato de concha que admirei. Caminhei até a casa de um grande amor, de um pequeno amor e de um médio amor também. Caminhei no largo da Batata, em Pinheiros, querendo chegar logo e dançar forró. Caminhei tímida até as mãos do professor que me entregaria meu diploma. Caminhei nos campos imaginários de um lugar no além. Caminhei pisando em quadradinho-sim-quadradinho-não. Caminhei no limite de uma calçada sem espaço para ousadia adolescente. Caminhei assustada debaixo de tantas luzes em um shopping. Caminhei por debaixo de ponte e por cima também. Caminhei na estrada da vida de alguém. Caminhei de mãos dadas, dando gargalhadas do mundo e de todo mundo. Caminhei descalça e com os sapatos na mão até deixar a sola do pé gasta de realidade concreta. Caminhei devagar depois de uma despedida. Caminhei olhando pro chão. Caminhei olhando pra nuvem. Caminhei tentando evitar pisar em formiga. Caminhei nas pontas dos pés até onde pude. Caminhei por dentro da cidade. Em volta da cidade...

Caminhei por fora até aprender a caminhar dentro de mim.

Inspirado em Fabrício Corsaletti, que escreveu o texto em sua versão original na revista São Paulo.

Comentários

Catarina Soares disse…
E eu caminhei pra chegar até aqui, e aprender sempre com cada palavra sua escrita.
Eu amo esse lugar, eu amo seus posts.
Beijinhos Fê.
Felipe Rossi disse…
nem precisei dar um só passo pra saber que esse texto é fantástico *--*
adorei, como sempre, feh :D
Anônimo disse…
E pensar que tudo isso ainda é o início da sua caminhada.
Beijos com muito carinho.
Delícia de texto hein Fê?!
Que bela caminhada até aqui, e que bela caminhada ainda há de vir.
Mas eu queria muito esse pão de 10 centavos, aqui é 40. =/
hahahahha
Abraço grande...


AnaCamila
Fermina Daza disse…
Ana, esse pão de 10 centavos também não existe mais por aqui... Isso faz parte da minha infância. Tudo encareceu! Pena...
tcosta. disse…
O bom dessas caminhadas é que fizeram uma moça escrever tão bem assim, e ter tanta inspiração.
Parabéns.
Sou amiga da AnaCamila, do blog Daqueelejeito.blogspot.com
ela me indicou teu blog.
Abraços=*
Gigio Jr. disse…
E enquanto ela caminhava... eu admirava o céu e a terra que a acompanhava nas ruas de sua existência! Mas sempre sorri mesmo quando queria chorar ... pois seus passos desenhavam um coração esperançoso e eternecido, pelo antes - o agora e o porvir! Belo texto, filha! - te amo - Gigio Jr.
Ei Fê, tem selinho pra vc nesse link http://daqueelejeito.blogspot.com/2011/01/mais-um-selo.html#comments ...
Beijoo :*

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