Embrulho meio esquecido


"Se a gente é capaz de espalhar alegria
Se a gente é capaz de toda essa magia
Eu tenho certeza de que a gente podia
Fazer com que fosse Natal todo dia"
("Natal todo dia", Mauricio Gaetani Tapajós, na voz do Roupa Nova)

Quando eu só tinha o metro do meu um metro e cinquenta e oito centímetros de altura, meus olhos no dia de ontem, véspera de Natal, ficavam a tentar desvendar qual das caixas por debaixo da árvore escondia o meu presente. Eles torciam para ser a maior, porque desde pequena eu achei ser o maior embrulho aquele que continha o melhor presente. E, desde pequena também, a vida se acostumou a gritar no meu ouvido "Aprende, Fernanda", contrariando tudo que eu achava dela. Claro que o maior embrulho nunca foi meu. Era o da minha prima, da minha tia, da avó Margarida, mas "Esse é pra Fernanda" eu só ouvia quando o Papai Noel segurava um embrulho meio esquecido, nem grande, nem pequeno, o embrulho do meu presente. E quando eu abria o embrulho meio esquecido, tamanha era a minha surpresa ao ver que meus pais sabiam me ensinar com exemplos pequenos a não julgar o conteúdo pelo pacote. E a vida e meus pais continuaram gritando no meu ouvido até que um dia eu entendesse isso.

Não foi fácil. Eu insisti muito tempo em abrir o maior berreiro pela maior boneca da loja. Mas, como a vida é de um mistério que não é tão mistério assim, as menores de todas as coisas insistiam em fazer círculos a minha volta. E eu aprendi na marra que a boneca grande de hoje seria amanhã  substituída por uma maior e que a pequena não poderia ser menor porque ninguém se interessaria por ela. Que bolinha de gude duraria mais tempo que bola de vôlei e, se boa jogadora eu fosse, elas me trariam mais bolinhas de gude. Que bexiga cheia de água teria o formato que eu quisesse que tivesse e que a piscina de plástico não. Que todos os minutos construindo uma bola de futebol com jornal e fita crepe seriam mais cheios de sorrisos do que marcar um gol com a bola de futebol de jornal e fita crepe. Que nosso corpo é formado de bilhões de bolinhas pequenas chamadas células e que são elas juntas que lutam pela gente. Que a massa do átomo está toda no seu núcleo, núcleo este que é 100 mil vezes menor que o próprio átomo mas determina cada um dos elementos químicos. Que a rabiola da pipa é cheia de tirinhas pequenas de plástico que sustentam todo o peso do desenho geométrico que risca o céu, e que cortar essas tirinhas de plástico é muito divertido.

E fui e continuo aprendendo com a vida a própria vida. Vida que hoje me deu o meu melhor presente de Natal através de um objeto pequeno que, às 00h, tocou na minha cabeceira.

Comentários

Gigio Jr. disse…
Nos pequeninos pacotes de presente Deus nos ofertou a essência do amor e da eternidade. Feliz Natal Filha!
ana disse…
Fer adorei seu texto!o presente só tem importância porque demonstra que a pessoa lembrou de vc, mas se ela n te der nada e te ligar mandar email ou qq coisa já vale muito mais q qualquer coisa!
Anônimo disse…
Fê, precisamos de tão pouco para sermos felizes, não é mesmo? Mas, teimosamente, insistimos no pacote maior. Um dia, aprenderemos a lição.
Beijos e Feliz 2011!

Veja no meu blog:
http://www.blogdamarialucia.com.br/2010/12/clarice-lispector.html#comments

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