Verônica

O caso é que me lembrei da Verônica. E lembrei por algum motivo que talvez seja resultado do livro que estou lendo, cheio de crônicas e contos de criança, misturado com mês de agosto, cujo dia dezesseis eu sempre lembrei ser o aniversário dessa minha vizinha lá da Rua Marcos Libere. Acho que tá um pouquinho mais pro mês de agosto, pois a data do aniversário dela é um dos poucos números que sei de cor depois do meu RG, CPF e CEP (meu celular eu não sei mesmo e isso não é desculpa, juro).

Sabe, acho que na verdade nunca me esqueci da Verônica e de relacionar a Verônica ao mês de agosto. E ela também nunca  se esqueceu de nos lembrar que o mês de agosto era mais dela do que nosso,  pois quando criança, em qualquer mês que estivéssemos, ela sempre recordava a gente que faltavam tantos meses e mais dias e mais  um tanto de horas para ela fazer aniversário. E quando entrava o mês de julho a coisa piorava. Ela ia diminuindo os dias e me falando o quanto faltava antes mesmo da gente falar de brincar. "Oi, Fê, você sabia que hoje faltam 20 dias para o meu aniversário?". Aquilo com certeza deve ter me inflamado a ponto de me fazer nunca mais esquecer o diabo do dia dezesseis de agosto.

Mas não é só da data que eu lembro quando recordo a Verônica não. Na verdade eu me lembro de quando ela pulava cordas comigo enquanto minha mãe negociava o apartamento num papo chato pra caramba na sala que viria a ser minha quando a gente se mudasse.  Lembro também da cachorra vira-lata dela que mordia todo mundo e que eu torcia que morresse sem a Vê saber. E lembro ainda de como ela era boa em escrever histórias quando a gente brincava de criar livros; eu nunca saia da primeira página do caderno e ela já tinha o capítulo em que o leão comia o vilão e depois vomitava ele vivo prontinho em quinze minutos.

Eu achava a Vê criativa e com letra bonita. Tentei copiar a escrita dela uma vez, mas não deu certo. Ela desenhava as letras de um jeito assim que nem importava tanto o que estivesse escrito. Lembro da boneca dela que eu queria que fosse um pouquinho minha filha, só um pouquinho, depois eu devolvia.

Lembro-me também da Verônica insistindo para eu não contar pra ninguém que foi ela quem escreveu "Verônica e Marcelo" no corrimão da escada, de branquinho, o mesmo branquinho que ela usava para pintar minha unha quando fingia que era manicure. E lembro-me de ter prometido que nunca contaria para a mãe dela que ela tinha beijado o Marcelo na escada (santas escadas!) se ela ligasse pro menino que eu gostava da escola e perguntasse se ele gostava de mim. Ela ligou, mas não me lembro da resposta dele, porque não me lembro de gostar do menino como gostava da Verônica.

Ah, a Verônica também me faz lembrar aquelas brigas de um dia, que no outro dia a gente esquece porque alguém da turma ganhou brinquedo novo. Ela me faz lembrar como eu aprendi que "trouxa" não era "trocha", e que o V era de Verônica e de vesga também. E que por causa disso a gente apelidou a Vê de Verônica Vesga. Ela não era vesga não, mas ela ficava vesga de raiva quando a gente a chamava assim.

É engraçado agora eu me lembrar da Verônica e ter vontade de nunca ter brigado com ela. Se eu pudesse fazer um pedido todo santo dia dezesseis de agosto, eu pediria para Deus apagar todos os puxões de cabelo que eu dava nela quando ela roubava a gente no "Stop". É que a Verônica tinha um pai taxista, então ela corria pra dentro fingindo que ia pegar bolacha e voltava com nomes de carros com todas as letras do alfabeto...

Comentários

Anônimo disse…
Como eu gosto dos seus textos! Beijos, Fê!
Anônimo disse…
Linda,

esse é seu porta-retrato favorito pra mim, os das lembranças. Ele me faz lembrar da minha propria inocencia e da limpeza da minha alma infantil. Me faz tambem voltar a ser garoto. E se eu fosse de volta um garoto, eu pediria sim seu estojo de canetinhas coloridas, mas nao para pintar o ceu e sim para guardar alguma lembrança de voce

beijos!
Que texto lindo! Ficaria feliz se lgum dia alguma amiga lembrasse de mim e escrevesse algo com tanto sentimento.

Beijos
Sandra disse…
Há muitas Verônicas que me fazem falta.
Óbvio e Atual disse…
Mais um pra minha seleção de "Os melhores textos da Fê." A sua Verônica de agosto me fez lembrar a Marcela de abril , a Myllene de junho, e a Lara de março.
Como é bom. Pena, é que muitas vezes elas ficam apenas na lembrança - e também à uns 2.500 km de distância -
sem dar qualquer chance de reaproximação. =/

SEU BLOG VAI VIRAR UM LIVRO, FÊ!

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