O tempo

Lembro como se fosse hoje o dia em que meu pai chegou em casa com aquelas sacolas que enchem a gente de curiosidade para saber se tem presente lá dentro. O sorriso do meu pai, meio maroto, meio de pai mesmo, confessava tudo antes de eu sair correndo e puxar a sacola da mão dele. "Pai, o que você trouxe pra mim?". Eu tinha sete anos quando abri aquele embrulho vermelho e me deparei com uma caixinha de vidro. Fui abrindo com aquela alegria desesperada de ser mais alegre de criança, enquanto meu pai dizia "Calma, Fernanda, assim você vai quebrar o presente antes de saber o que é!".
Abri, era um objeto redondo, pesado, com uns pauzinhos minúsculos que se mexiam sozinhos dentro dele, num mesmo sentido, num mesmo tempo de pausa e movimento, feito uma coreografia de dança circular.
"Hoje você vai aprender a contar as horas!". Era um relógio! Uau, um relógio! E meu pai sentou ao meu lado e me explicou como aqueles números mudariam a minha vida para sempre.
Naquele dia nasceu a minha pressa e a minha tristeza ao saber que dez minutos depois eu teria que parar de brincar e ir jantar. A partir daquele dia eu soube o quanto uma aula de matemática demoraria a passar, descobriria que eu não teria a vida toda para brincar de esconde-esconde, pois um dia, depois daqueles pauzinhos darem um montão de voltas, eu deixaria de achar graça no brincar de esconde-esconde. E comecei a olhar mais tempo para aquele objeto do que para a vida. A preocupação com o tempo foi tomando o espaço do meu viver. Sim, pois antes de eu saber contar as horas, eu só sabia era viver mesmo. Agora tudo estava mudado, tudo tinha hora marcada, e eu não podia mais ser livre como antes. Estava presa para sempre às regras do tempo: horário para acordar, estudar, almoçar, brincar, ir buscar meu irmão, arrumar o quarto; e mais tarde: horário para trabalhar, final de semana para ver os amigos, ansiedade antes de um encontro, desespero de um atraso e um montão de outras coisas que se eu soubesse como funcionava não faria tanta questão de conhecer.
Mal sabe meu pai que não saber contar o tempo seria o maior presente que ele poderia me dar.

Comentários

Catarina Soares disse…
Eu bem que gostaria também , de não ter sido apresentada ao tempo. Achei ótimo , saber que você estará todos os dias aqui . Seus textos me fazem bem Fê .
Beijinhos.
Fermina Daza disse…
Cá,

Um texto meu fazer bem a alguém é o primeiro maior presente que eu poderia me dar.

Estou correndo pro seu blog, pq vc tb tem esse poder comigo.

Bjinhos
AnaCamila disse…
como eu queria nao saber contar o tempo tbm.
lindo texto fê.
beijoka pra ti

ei, vc ta melhor?

www.daqueelejeito.blogspot.com
Felipe Rossi disse…
Daquele dia em diante, aprendi que só poderia jogar vídeo-game duas horas por dia.Cadê a máquina do tempo nessas horas?
rsrs
adorei feh!
continue assim!!!
Anônimo disse…
ah.. mas esse mesmo tempo ingrato tambem calejou voce com disciplina e persistencia... e eu que nem sei ver direito horas pelo ponteiro?... será que tive mais sorte por isso?
Sandra disse…
http://www.blogbooks.com.br/

Menina, vc deveria participar!
Tenho certeza de que consegue ganhar.

Beijo grande pra vc!
Anônimo disse…
Ai! Na minha idade, então, eu gostaria que sumissem todos os relógios do mundo. rsrs...
Você me fez lembrar do dia em que minha mãe me ensinou a "ver as horas". Parece que foi ontem. Que saudade daquele tempo! Beijos!

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