Janela Indiscreta

Tudo deu início a esta crônica no dia das mães. Era só um almoço familiar no shopping, se não tivesse uma livraria no mesmo piso do restaurante que eu escolhi, e que escolhi, é claro, por causa da livraria. Mas isso meu pai não precisava saber.

- Pai, borali na livraria pra eu dar uma olhadinha?

- Uma olhadinha, Fernanda?

- Juro pela morte das formigas quié só uma olhadinha!

- Pela morte das formigas, Fernanda?

- Sim, pai, pela morte das formigas. Ou você quer que jure pela mãe no dia das mães? Juro pela mãe no dia das formigas, e pelas formigas no dia das mães.

É claro como nuvens e algodão que era tudo um plano pra eu ganhar um e, com muita sorte, até dois ou três livros de presente no dia que não era das filhas espertas feito eu. E como sou sortuda e ainda tenho um pai que odeia formigas, trouxe bem escolhidos dois livros novinhos da silva aqui pra casa.

Páginas vão e páginas vêm, por lá mesmo no restaurante, num conto intitulado Cavalinhos, de Monteiro Lobato, leio o jargão: "A beleza das coisas não reside nelas senão na gente".

Que mágico! Eu tenho a beleza de tudo que vejo, leio e ouço!

E abitolada como só eu na vida, lá fui eu colocar a teoria na prática pra ver se Lobato tinha razão. A primeira e única vítima que me bastou foi o garçom. Baita moço bonito de se servir ver!

Comecei pelas ventas. Era de um rosto médio, traços bem traçados, olhos escuros, sobrancelha das que mais gosto - taturanas a lhe dar seriedade na medida grande de enorme. Lábios e sorriso de homem cafajestão - tudo que a gente quer e não pode ter muito perto. Enfim, era um rapaz que era uma pena de se ser garçom!

- Mas que tanto que você não tira o olho de cima do garçom, Fernanda!?

- Ah, mãe, olhe que moço bonito a nos servir! Veja, mãe, veja! Ele tá vindo.

- Credo! Olha aquelas taturanas que ele carrega em cima dos olhos!

- Mora aí mesmo todo a sua graça: as taturanas acima dos olhos.

- Ah, mas isso precisa de mais discrição. Formigas lhe caberiam melhor.

- Pai matou todas ao comprar os livros.

- Fernanda, faz favor de comer sua comida, fechar esse livro nas suas pernas, e parar de falar de maluquices com bichos e garçom?

- Tá certo, pai.

E eu passei o resto do almoço pensando em tudo quanto é coisa esquisita que acho bonita por aí: as taturanas - as reais e as disfarçadas de sobrancelha -, os focinhos de poodle, os cogumelos, as crianças banguelas, o sorriso do cafajestão, as páginas amareladas de livros antigos, as palavras feito "nuvem" e "galáxia", o cabelo branco de neve do Ziraldo, o som do grilo na madrugada...entre um montão de outras Fernandas que segundo Lobato encontro nas belezas do que vejo.

A beleza das coisas mora na gente, tá comprovado, senhor José Bento Monteiro Lobato!